Aproxima-se o período do ano – final do inverno e início da primavera, em que se registra o maior número de casos de varicela (catapora). O presidente da Associação Mineira de Epidemiologia e Controle das Infecções – AMECI, Guilherme Augusto Armond orienta usuários e profissionais de saúde quanto aos sinais e sintomas, as formas de transmissão, as principais complicações e grupos de risco e orienta sobre medidas de controle após a exposição ao vírus varicela-zoster.
Abaixo, leia o texto na íntegra.
O que é varicela?
A varicela (catapora), infecção primária do vírus varicela-zoster, é uma doença altamente transmissível, de baixa morbidade e de distribuição universal.
Semelhante a outros herpes-vírus, o vírus da varicela apresenta como característica capacidade de latência por longo período, podendo ocorrer reativações causando doença clínica ou subclínica. Na infecção inicial, ocorre viremia após a replicação nas células da nasofaringe. A viremia intermitente é traduzida pelo quadro de lesões disseminadas com polimorfismo regional observada na primoinfecção (varicela). Esse quadro é seguido por período de latência, no qual o vírus fica alojado nos gânglios do corno posterior, podendo reativar tardiamente causando quadro de herpes-zóster.
Em 2011, conforme informações do Boletim da Vigilância em Saúde (Ano I – Nº 07) da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, foram notificados 807 casos de varicela até a semana epidemiológica 30, sendo que 86,3% dos casos foram crianças menores de 10 anos de idade. Se comparado ao mesmo período do ano anterior observa-se um aumento de 28,5% no total de casos.
Quais os sinais e sintomas da varicela?
Mais de 80% das pessoas com varicela apresentam febre e aproximadamente 96% são acometidas de exantema (vermelhidão cutânea) característico com lesões cutâneas de vários tipos (máculas, pápulas e vesículas), que normalmente surgem em grupos. As primeiras lesões cutâneas surgem preferencialmente no tronco, e se não forem detectadas, o diagnóstico poderá ser retardado.
Como se transmite a varicela?
A transmissão ocorre através do contato direto com doente ou por secreções respiratórias, e indiretamente por objetos contaminados com secreções de vesículas e mucosas de pacientes infectados.
O período de transmissibilidade tem início um a dois dias antes do aparecimento de vesículas e se prolonga até o 5º ou 6º dia, Enquanto houver vesículas, é possível ocorrer transmissão.
Se desenvolver a doença, o indivíduo não imune exposto, pode ser potencialmente transmissor do vírus por um período de 7 a 21 dias após a exposição.
Recomenda-se que as crianças com varicela sejam afastadas da creche ou escola até que todas as lesões estejam em fase de crosta (média 5 dias).
O diagnóstico é clínico.
O tratamento geralmente se baseia em cuidados gerais e medicação sintomática.
Em que época a varicela é mais comum?
A varicela é uma doença de caráter sazonal, com maior número de casos no final do inverno e início da primavera, porém pode ocorrer durante todo o ano. Inverno: De 21 de junho a 23 de setembro. Primavera: De 23 de setembro a 21 de dezembro.
Em que idade a doença é adquirida?
A doença pode ser adquirida em qualquer idade, porém, é rara nos primeiros meses de vida (a menos que a mãe não tenha tido a doença); estima-se que, a cada ano, 8% das crianças com idade entre 1 e 9 anos adquiram varicela e que apenas 10% a 15% dos adolescentes e adultos jovens não tenham imunidade.
Quais são as principais complicações associadas à varicela?
A complicação mais comum é infecção bacteriana secundária das lesões de pele e tecidos moles (impetigo, celulite e abscesso), que é mais comum em crianças menores de 3 anos.
Nos últimos anos, nos EUA, têm sido descritos diversos casos de doença invasiva por estreptococos do grupo A (fasceite necrosante e síndrome do choque tóxico; são doenças graves, com destruição de tecido subcutâneo e muscular e sepse, com disseminação bacteriana e altas taxas de letalidade), tanto em crianças como em adultos, a maioria, após varicela.
Outra complicação relativamente freqüente é a pneumonia, que pode ser causada pelo próprio vírus (primária) ou por superinfecção bacteriana (infecção bacteriana secundária que ocorre após a infecção pelo vírus da varicela). A pneumonia ocorre com maior freqüência em gestantes (10 a 20%) e em adolescentes e adultos (1 a cada 400 casos).
Podem ocorrer complicações neurológicas como a cerebelite (inflamação do cerebelo) e a encefalite (inflamação do encéfalo). O quadro de ataxia cerebelar (distúrbio do equilíbrio e incoordenação motora, devido à inflamação no cerebelo) é mais comum em crianças, sendo observado em 1 a cada 4.000 pessoas menores de 15 anos. A encefalite é mais freqüente e mais grave em adolescentes e adultos (letalidade de 5 a 35%).
Outras complicações são mais raras: osteomielite, artrite, varicela hemorrágica, glomerulonefrite e síndrome de Reye (acometimento neurológico e hepático de natureza não-inflamatória). Nos EUA, até o início da década de 80, aproximadamente, 25% dos casos de síndrome de Reye eram associados à varicela. A incidência da síndrome de Reye variava entre 1/10.000 a 1/15.000 casos de varicela, em indivíduos menores de 15 anos, porém desde que se passou a contra-indicar a aspirina para indivíduos com varicela, houve uma nítida diminuição da incidência desta complicação naquele país.
Quais são os grupos de risco para as complicações da varicela?
Os grupos de maior risco para as complicações da varicela são:
1. Portadores de imunodeficiência congênita ou adquirida, incluindo aqueles que fazem tratamentos com imunossupressores (quimioterapia, radioterapia ou corticoesteróides em doses elevadas).
2. Pessoas suscetíveis com mais de 15 anos de idade: O número de lesões cutâneas e as complicações, principalmente pneumonia, incidem com maior freqüência em adolescentes e adultos.
3. Gestantes: A varicela, além de apresentar as maiores taxas de complicação em grávidas, também pode acometer o feto, embora o risco de varicela congênita seja baixo (< 2%). A síndrome da varicela congênita é observada com maior freqüência quando a gestante adoece nas primeiras 16 semanas de gestação e caracteriza-se por: baixo peso de nascimento, cicatrizes cutâneas, alterações oculares (coriorretinite, microftalmia, atrofia ótica, catarata), hipoplasia de membros (diminuição do tamanho dos membros), atrofia cortical (diminuição do córtex cerebral) e retardo mental. A infecção materna no segundo trimestre de gestação pode resultar em infecção fetal latente e, com a reativação do vírus, a criança poderá apresentar zoster; no último trimestre de gestação, a varicela acarreta um aumento na incidência de partos prematuros.
4. Crianças menores de um ano: Formas graves de varicela, com altos índices de letalidade, ocorrem em recém-nascidos de mães que manifestaram a doença no período de 5 dias antes do parto até dois dias após o parto. Quando existe exposição pré-natal, perinatal ou varicela no primeiro ano de vida também aumenta o risco de herpes-zoster.
A maioria das complicações e dos óbitos ocorre em indivíduos previamente saudáveis e, atualmente, questiona-se o conceito de que a varicela é uma “doença benigna e inevitável”.
Considerações e recomendações para domicílio e serviços de saúde
Medidas de controle após exposição ao vírus varicela-zoster
Identificação do paciente fonte
Paciente com quadro de varicela ou herpes zoster disseminado (> 20 lesões fora do dermátomo) ou acometimento > 2 dermátomos;
Herpes zoster localizado em paciente imunossuprimido (transplantados, pacientes com câncer, pacientes em uso de citostático, corticóide e infecção pelo HIV);
Lactentes com embriopatia por varicela não requerem isolamento.
Controle da Fonte
O paciente deve ser colocado imediatamente em precauções de contato (luvas de procedimento e capote de mangas longas) e para aerossol (máscara N-95 ou PFF-2) em um quarto privativo.
Quarto privativo com portas e janelas fechadas, com ventilação com pressão negativa (> 6 trocas do ar por hora) e filtro HEPA ligado. Mesmo durante a ausência do paciente no quarto é fundamental que a porta permaneça fechada e que o indivíduo não imune a máscara N-95 ou PFF-2 para entrar no quarto. No quarto sem filtro HEPA manter janelas abertas, ar refrigerado desligado e portas fechadas. É proibido o uso de ventiladores.
O paciente deverá usar máscara cirúrgica, para reduzir o risco de transmissão, até sua acomodação adequada.
Pacientes imunocomprometidos com Zoster (localizado ou disseminado) e pacientes imunocompetentes com Zoster disseminado requerem precauções de contato além das precauções com aerossóis.
Para pacientes imunocompetentes com Zoster localizado apenas precauções padrão são indicadas, evitando-se contato com as lesões/secreções até que todas as lesões estejam em forma de crosta.
Precauções de contato e com aerossóis são recomendadas para neonatos nascidos de mães com varicela e, se permanecerem internados, devem permanecer em precauçõesaté o 21º ou 28º dias de idade se receberam VZIG ou IGIV (Imunoglobulina intravenosa).
A transmissão do vírus ocorre principalmente pela via respiratória, gotículas e aerossol, (precaução respiratória), por contato direto e raramente por contato indireto (precaução por contato), pois o vírus sobrevive por pouco tempo no meio ambiente.
Identificação dos indivíduos suscetíveis
Indivíduos suscetíveis: Todo indivíduo com passado desconhecido ou negativo para varicela, sem vacinação ou com sorologia negativa para varicela, seja profissional de saúde ou usuário.
Indivíduos imunes: são aqueles com passado de varicela ou herpes zoster, vacinação para varicela (2 doses) ou comprovação sorológica (IgG) de imunidade por adoecimento ou vacinação. Esses indivíduos não necessitam receber profilaxia pós exposição ao vírus varicela-zoster.
Medidas de Controle
Todos os pacientes suscetíveis que não puderem ter alta devem ser colocados em isolamento do dia 10º ao 21º pós-exposição ao caso índice. Para pessoas que receberam VZIG ou IGIV, o isolamento deve continuar até o dia 28º.
Todos os profissionais susceptíveis expostos devem ser retirados do contato com o paciente do 10º ao 21º após exposição ao paciente ou até 28º dia se tiver recebido VZIG ou IGIV.
Testes sorológicos para verificar imunidade não são necessários para profissionais que foram imunizados, porque 99% dos adultos são soropositivos após a segunda dose da vacina e porque a maioria dos métodos laboratoriais não irá detectar a imunidade resultante das vacinas.
A assistência do paciente com varicela deve ser realizada somente por profissionais de saúde imunes, não sendo, portanto, necessário o uso de máscara, porém as precauções de contato deverão ser adotadas.
Imunização anti-varicela está recomendada para todas as pessoas suscetíveis se não houver contra-indicação para seu uso.
Indivíduos não imunes para varicela, com exposição significativa ao paciente fonte, devem ser rapidamente identificados para a administração da profilaxia.
Intervenções potenciais para pessoas suscetíveis, com exposição significativa a varicela-zoster (ver Tabela 1), incluem:
Vacinação com vacina anti-varicela administrado dentro dos primeiros 3 a 5 dias após exposição;
VZIG (1 dose até 96 horas após exposição); IGIV (1 dose até 96 horas após exposição), pode ser usada se VZIG não estiver disponível.
Uso de aciclovir VO ou EV em casos selecionados, iniciado após os 7-10 primeiros dias pós exposição.
Tabela 1 – Tipos de exposição à varicela ou Zoster considerada significativa para indicação de profilaxia em pessoas suscetíveisEXPOSIÇÃOCONDIÇÃODomiciliarResidir no mesmo domicílio.Ambiente de
trabalho, escola
ou similares
Contato face a face em ambiente fechado (Especialistas discordam na opinião sobre a duração do contato face a face que determinaria a administração de VZIG. Entretanto, o contato não deve ser transitório. Alguns sugerem que contato de 5 minutos ou mais seja suficiente para este propósito; Outros definem contato intimo como mais que uma hora).HospitalVaricelaPermanência em um mesmo quarto de 2 a 4 leitos ou nos leitos adjacentes em uma enfermaria, ou setor contíguo que compartilha a mesma ventilação (ex. enfermaria em frente ao posto de enfermagem) do paciente fonte por um período >1h; contato face a face com um membro da equipe ou paciente ou visitante por pessoa considerada em fase de transmissão.ZosterContato íntimo (ex: tocar ou abraçar) com uma pessoa considerada Infectante.Recém-nascidoVaricela na mãe iniciada 5 dias ou menos antes do parto ou dentro de 48 horas após; VZIG não está indicada se a mãe tem zoster.
Vacinação Pós-exposição
A administração de vacina anti-varicela a pessoas maiores de 12 meses, incluindo adultos, deve ser administrada tão logo que possível, dentro de 72h e possivelmente até 120h após exposição. A vacina previne ou modifica a doença e deve ser considerada neste caso se não houver contra-indicação.
A imunização com vacina anti-varicela deve ser retardada até 5 meses após administração de VZIG.
Imunoprofilaxia Passiva
A decisão de administrar VZIG depende de 3 fatores:
1. A probabilidade de que a pessoa exposta seja suscetível.
2. A probabilidade de que uma dada exposição à varicela ou Zoster irá resultar em infecção.
3. A probabilidade de que complicações com varicela poderão se desenvolver na pessoa indicada.
Pacientes que estejam recebendo altas doses mensais de IGIV (400 mg/kg ou maior) em intervalos regulares estão provavelmente protegidos se a ultima dose de IGIV foi administrada 3 semanas ou menos antes da exposição.
A imunização com vacina anti-varicela deve ser retardada até 5 meses após administração de VZIG.
Quadro 1 – Indicação de VZIG ou Aciclovir para pessoas suscetíveis com exposição significativa*
Crianças imunocomprometidas (incluir HIV), sem história de varicela ou de imunização para varicela.
Gestantes suscetíveis – se VZIG não estiver disponível, o médico pode escolher administrar IGIV ou monitorar de perto a grávida para sinais e sintomas de varicela e instituir tratamento com Aciclovir se a doença se desenvolver.
RN cuja mãe desenvolveu varicela dentro de 5 dias antes ou 48 horas após o parto.
RN prematuro (> 28 sem de IG), hospitalizado, o qual a mãe não tinha história confiável de varicela ou evidência sorológica de proteção contra varicela;
RN prematuro (< 28 sem de IG ou < 1000g de peso ao nascer) hospitalizado, independentemente da história materna de varicela ou estado sorológico.
Adolescentes ou adultos imunocomprometidos suscetíveis devem receber VZIG.* DEVE estar em conformidade com os tipos de exposição à varicela ou Zoster considerada significativa para indicação de profilaxia em pessoas suscetíveis. Ver tabela I
Quimioprofilaxia
Aciclovir oral geralmente não é recomendado para paciente imunocompetente. Se VZIG não estiver disponível ou se a exposição ocorreu há mais de 96h, alguns especialistas recomendam profilaxia com aciclovir (80 mg/kg/dia, 4 vezes/dia, por 7 dias, dose máxima de 800 mg, 4 vezes/dia) para um paciente imunocomprometido suscetível exposto a varicela. Um curso de 7 dias de aciclovir pode ser dado a adultos suscetível iniciando 7 a 10 dias após a exposição a varicela se a vacinação estiver contra-indicada.
Limpeza do quarto
Após a alta do paciente, para proceder à limpeza e desinfecção e para a liberação do quarto do isolamento respiratório, deve-se aguardar pelo menos 1h para o quarto com filtro HEPA ligado, mantendo as portas e janelas fechadas. Para o quarto sem filtro HEPA aguardar pelo menos 2h mantendo as portas fechadas e as janelas abertas.
Referências Bibliográficas
Oliveira A.C; Armond G.A; Clemente W.T. Infec.es Hospitalares: epidemiologia, prevenção e controle. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005, 710p.
Siegel JD, Rhinehart E, Jackson M, Chiarello L, and the Healthcare Infection Control Practices Advisory Committee, 2007 Guideline for Isolation Precautions: Preventing Transmission of Ifnectious Agents in Healthcare Settings, June 2007. Acessível em:http://www.cdc.gov/ncidod/dhqp/pdf/guidelines/Isolation2007.pdf.
Secretaria Municipal de Saúde Contagem. Minas Gerais. Guia para Isolamento e Precauções em Serviços de Saúde. Elaborado por: Comissão Municipal de Controle de Infecção em Serviços de Saúde de Contagem (CMCISS). 2009. cmciss@contagem.mg.gov.br
Secretaria Municipal de Saúde. Gerência de Vigilância em Saúde e Informação. Boletim da Vigilância em Saúde. Julho/2011. Ano I – nº 07.
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Guia de bolso. Doenças Infecciosas e Parasitárias. 8ª edição revisada. Brasília. DF. 2010.
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